WM&A Ed. #5 - Carla Zaiden
Conte-me um pouco sobre o seu histórico pessoal e profissional, como você chegou até aqui?
Carla: Minha jornada começou em Montes Claros, uma cidadezinha no norte de Minas Gerais, e desde cedo mudei muito de cidade. Isso talvez tenha sido o prelúdio do que seria a base da minha carreira: a capacidade de adaptação.
Sou engenheira mecânica de formação pela Universidade Federal de Uberlândia, foi durante um estágio na indústria que percebi que gostava de rotinas dinâmicas, mas nunca pensei que minha carreira tomaria o rumo que tomou.
Inicialmente, participei de dezenas de programas de trainee, pois acreditava que, ao chegar às finais de cinco deles, acabaria sendo contratada em pelo menos um.
Para minha surpresa, passei em mais programas do que esperava e escolhi a IBM devido a um programa internacional. Foi lá que comecei a trabalhar com o sistema ERP SAP, envolvida em projetos de fusões e aquisições de nível global, o que me proporcionou uma experiência internacional valiosa em lugares como China, França, Alemanha, Estados Unidos, México e Argentina.
Quais foram seus maiores aprendizados?
Cada mudança, cada cidade nova, cada projeto que liderei ou participei acrescentou uma camada à minha experiência, preparando-me para os desafios gigantescos e também para as imensas recompensas do mercado de M&A.
Aprendi muito sobre processos empresariais e desenvolvi habilidades importantes de comunicação e negociação, especialmente em ambientes predominantemente masculinos.
No entanto, percebi que não seria plenamente feliz trabalhando exclusivamente com implementação de sistemas. Então, decidi fazer uma mudança radical e acabei atuando como gerente de RH em uma das empresas do grupo Stone, uma startup de meios de pagamento que passava por uma acelerada expansão. Foi uma experiência que sempre quis testar e que me ajudou a desenvolver habilidades de conexão com as pessoas.
Eventualmente, surgiu uma oportunidade para voltar à Stone, onde participei da integração dos processos de outra empresa do setor, desenvolvendo um ERP integrado. Este projeto foi um marco significativo na minha carreira e, depois disso, também participei de uma integração semanas antes do IPO da empresa.
Como você iniciou sua jornada na Alvarez & Marsal?
Na Alvarez & Marsal eu entrei pela porta da tecnologia e comecei a fazer due diligence de empresas deste segmento.
Meus primeiros dois anos na A&M foram focados em due diligence, e essa experiência consolidou meu entendimento sobre o mundo de fusões e aquisições. Posteriormente, mudei para um escopo mais generalista e participei de integrações em diversos setores, como energia e indústria, que fortaleceram minha capacidade de adaptação e negociação em diferentes contextos empresariais e culturais. Cada etapa da minha carreira foi uma construção contínua de conhecimentos e habilidades que me trouxeram até aqui.
Considerando sua ampla experiência em projetos voltados para maximizar o valor de investimentos em ambiente de Fusões e Aquisições, quais são os elementos-chave para uma integração pós-fusão bem sucedida?
A chave para uma integração pós-fusão bem-sucedida começa com a elaboração de um plano detalhado e bem estruturado. É essencial entender os objetivos macros da integração e como os negócios se complementam. Uma diligência bem feita é fundamental para compreender esses aspectos. Eu sempre crio um plano macro e, a partir dele, ajusto as etapas em ciclos ágeis, mantendo a linha mestre da integração clara e objetiva.
Outro elemento crucial é reconhecer que a integração é, acima de tudo, sobre pessoas. É vital ter um plano claro para integrar os colaboradores, compreendendo e respeitando a cultura e o fator humano. Ignorar isso pode resultar em perda de talentos, o que já vi acontecer em várias situações. Profissionais qualificados têm opções e precisam sentir que fazem parte da nova estrutura.
Além disso, uma diligência cuidadosa é imprescindível. Muitas vezes, em fundos de investimento, há uma resistência em relatar problemas durante a análise de due diligence, o que pode levar a surpresas desagradáveis mais tarde. Todos os riscos devem ser conhecidos e abordados de forma consciente para evitar problemas financeiros e operacionais durante a integração.
Outro ponto é a integração tecnológica. Subestimar a complexidade e os custos da integração de sistemas pode ser um erro caro. Mesmo que não seja necessário integrar todas as plataformas operacionais, é crucial ter uma visão clara e unificada da saúde financeira e dos processos.
Por fim, contar com parceiros experientes pode fazer toda a diferença. Consultorias especializadas podem oferecer a expertise necessária para navegar pelas complexidades da integração, garantindo que todas as áreas da empresa estejam alinhadas e que a integração seja eficiente e eficaz. Ter um líder dedicado dentro da empresa também é essencial para coordenar todos os esforços e garantir que a integração atinja seus objetivos.
Você poderia compartilhar um exemplo de um projeto de M&A que você liderou e como conseguiu superar os desafios específicos desse projeto? Quais foram as lições aprendidas dessa experiência?
Os desafios culturais são, sem dúvida, os mais difíceis de contornar em um projeto de M&A. Recentemente, lidei com a integração de uma empresa brasileira que adquiriu uma companhia em um país desenvolvido. Nesse contexto, há dois aspectos principais: a percepção do brasileiro e a visão do estrangeiro sobre nós. Esse tipo de integração multicultural é particularmente desafiador.
Por exemplo, a integração só foi finalizada após a demissão de um líder na Alemanha, que era um antagonista do processo. Ele não conseguia aceitar a ideia de uma empresa brasileira gerenciando os processos. Este caso reforçou a importância de gerenciar bem os aspectos culturais e de comunicação durante a integração.
Outro desafio frequente que enfrentei foi relacionado a ataques cibernéticos durante o processo de integração. Em 70% dos projetos que conduzi nos últimos anos, houve incidentes de segurança cibernética. Isso ressalta a necessidade de estar preparado e vigilante quanto a esses riscos, que podem causar grandes transtornos operacionais e financeiros.
Além disso, a integração de empresas com culturas regionais distintas pode ser complexa. Trabalhei em uma integração de empresas do setor agrícola, onde cada região do Brasil tinha suas particularidades culturais e operacionais. A falta de uma estratégia clara para lidar com essas diferenças pode resultar em dificuldades significativas na gestão de estoques e processos.
Por fim, participar de uma tomada de controle hostil de uma startup me ensinou muito sobre a importância de considerar os aspectos culturais. O cliente optou por um enfoque pragmático, valorizando a cultura e as necessidades dos funcionários, o que resultou em uma integração bem-sucedida.
As lições aprendidas dessas experiências são claras:
Gerencie os aspectos culturais: A compreensão e a gestão das diferenças culturais são cruciais para o sucesso da integração.
Prepare-se para riscos cibernéticos: Esteja sempre atento aos riscos de segurança e tenha planos de contingência prontos.
Tenha uma estratégia clara: Uma abordagem bem planejada e flexível é fundamental para lidar com as diversas complexidades de um processo de M&A.
Valorize o fator humano: Entender e respeitar as necessidades dos colaboradores pode ser a diferença entre uma integração bem-sucedida e um fracasso.
Ao olhar para trás, como você identifica as competências-chave que contribuíram para seu sucesso profissional?
Acredito que uma das minhas maiores vantagens é o entendimento de tecnologia. Isso se tornou um diferencial significativo na minha carreira, pois consigo entender e integrar processos de negócio e tecnologia de forma eficaz. Muitas pessoas têm um perfil financeiro forte, mas poucas conseguem falar de negócios e tecnologia simultaneamente.
Entretanto, o que realmente fez a diferença foram as soft skills. Ser sincera comigo mesma sobre o que eu queria fazer na minha carreira foi crucial. Mudei de direção várias vezes, e essa flexibilidade me permitiu navegar por diferentes áreas e adquirir uma visão holística. Hoje, consigo discutir estratégias de negócios e também desenhar estratégias tecnológicas com a mesma facilidade.
Encarei essas mudanças como oportunidades de crescimento, extraindo valor de cada experiência. Essa abordagem me permitiu desenvolver uma capacidade de leitura de ambiente e uma compreensão de como as diferentes experiências impactam meu trabalho.
Outra competência chave foi a habilidade de se manter pragmática e sincera consigo mesma. Isso me ajudou a tomar decisões assertivas sem precisar adotar um comportamento agressivo, que não faz parte da minha natureza. Em vez disso, mantenho uma postura firme e clara sobre minhas opiniões e objetivos, o que me permitiu avançar de forma consistente.
Portanto, ser flexível, resiliente, corajosa e pragmática foram competências essenciais que contribuíram para meu sucesso. Desenvolver essas habilidades ao longo do tempo me permitiu alcançar uma posição de destaque e navegar pelos desafios do mercado.
Qual mensagem você enviaria para as mulheres que se inspiram em seguir uma carreira em consultoria e/ou M&A?
Acho que o que eu queria ter ouvido no começo da minha carreira é que ser mulher não é uma desvantagem. Sim, é verdade que muitas vezes vivemos num mundo, especialmente na consultoria, dominado por homens. Mas às vezes isso é apenas uma percepção nossa. Estamos tão acostumadas a lutar por nossos direitos e espaços que podemos pensar que ser mulher é automaticamente uma desvantagem.
Isso torna difícil entrar no jogo sem sentir que estamos perdendo algo. Homens e mulheres acabam desenvolvendo habilidades diferentes devido à forma como somos criados e à nossa posição na sociedade.
Quais conselhos você daria a elas para se destacarem e alcançarem o sucesso nesse campo?
Se olharmos para essas habilidades como vantagens em vez de fraquezas, isso nos dará mais segurança para participar do jogo em pé de igualdade. Ser diferente num ambiente pode ser muito interessante. Às vezes, ser a única mulher pode chamar mais atenção e abrir portas de maneiras diferentes. Não se trata apenas de uma batalha de testosterona.
A experiência da gravidez tem me mudado muito. Antes, eu podia me sentir afastada do meu lado feminino, mas agora, não tem como distanciar do fato de que eu sou uma mulher que trabalha. Estou gerando uma vida. Isso me fez mais pragmática e diretiva com o uso do meu tempo.
Então, não veja ser mulher como uma desvantagem. Seja confiante, conheça seus pontos fortes e desafios como mulher, pois isso pode ser uma vantagem e uma jornada única, tão bonita quanto a de qualquer homem, mas com suas próprias experiências e perspectivas únicas.