WM&A Ed. #2 - Julia Gil
Olá a todos,
Tivemos o prazer de receber Julia Gil, sócia da Fram Capital, em nossa recente discussão sobre os potenciais setores de investimento para os próximos anos, além de explorar sua trajetória profissional e pessoal. Julia compartilhou valiosos insights sobre a identificação de oportunidades de investimento e estratégias para a criação de valor nas empresas.
Quanto aos setores promissores, destacam-se os investimentos em energia renovável, com foco em solar e eólica, devido às vastas oportunidades disponíveis no Brasil. Além disso, a infraestrutura emerge como uma área atrativa, visando impulsionar o desenvolvimento econômico. Por fim, o setor financeiro apresenta potencial de expansão, impulsionado pelo amplo mercado consumidor e pela adoção de tecnologias financeiras inovadoras, como o sistema de pagamentos Pix.
No âmbito pessoal, suas experiências não apenas demonstram resiliência e objetividade, mas também refletem um profundo conhecimento do que faz e a consciência da importância do trabalho árduo para alcançar os resultados desejados.
Conte-me um pouco sobre o seu histórico pessoal e profissional, como você chegou até aqui?
Costumo falar que devo ser uma das pessoas mais sortudas que vocês vão conhecer. Tudo que eu conto, claro, é fruto de dedicação, mas sempre tive acesso a todas as oportunidades e experiências que eu quis.
Eu tenho 34 anos e nasci em São Paulo. Sou a única filha mulher e 8 anos mais nova que meu irmão do meio, em uma família de jornalistas e publicitários.
Vi meus pais e meus irmãos, como empresários e empreendedores, construírem nossa família. Sempre me orgulhei deles e o esforço que dedicaram me proporcionou muita coisa.
Comecei a me interessar por economia ainda no Colegial, quando fizemos um projeto de montar uma carteira de investimentos. Ali, decidi que era o que eu queria fazer.
Fiz um estágio no Citibank, depois trabalhei na Riachuelo, depois fui para a Bloomberg e, em seguida, vim para a FRAM, onde já estou há mais de 7 anos.
Dentro do contexto brasileiro, quais são os setores que você vê como promissores para investimentos nos próximos anos?
Olhando para o cenário brasileiro, identifico diversos setores com grande potencial para investimentos nos próximos anos. No contexto da transição energética, o setor de energia se destaca.
O Brasil possui vastas oportunidades de investimento nessa área, especialmente na energia solar devido ao alto grau de insolação, assim como no potencial considerável da energia eólica.
Qual o contexto que faz do setor de energia uma área de grande atividade?
Há anos, o país mantém um robusto programa de produção de álcool combustível. Investimentos em energia abundante, acessível e proveniente de fontes seguras e renováveis serão cruciais para impulsionar a reindustrialização do país.
Armazenamento e matriz energética
Além disso, vejo um crescimento promissor nos sistemas de armazenamento de energia por bateria.
Globalmente, o Brasil apresenta as condições ideais e uma inclinação natural para prosperar na economia verde. Isso não se restringe apenas ao uso de hidrogênio verde como combustível, mas também engloba iniciativas de preservação ambiental, participação no mercado de crédito de carbono e exploração sustentável da biodiversidade, não apenas na Amazônia, mas também no Cerrado.
Mercado consumidor
O Brasil possui um amplo mercado consumidor e uma população que se adapta rapidamente às transformações tecnológicas. Um exemplo recente disso é a rápida adoção do sistema de pagamentos Pix.
Considerando essas duas condições - um grande mercado e uma população ávida por inovações tecnológicas - vislumbro um espaço significativo para o crescimento de negócios no setor financeiro.
Novos sistemas de pagamento
Isso engloba o desenvolvimento de novos sistemas de pagamento, a redefinição das condições competitivas entre diferentes atores em novos cenários, como o Open Finance, além da expansão do mercado de crédito, entre outros.
Outro ponto crucial é o investimento em infraestrutura. Em resumo, há diversos setores promissores no Brasil. Alguns aguardam a redução do custo de capital, enquanto outros dependem do aumento da renda das famílias. Tem muito por fazer.
Como a Fram Capital avalia as oportunidades de investimento e como cria valor em suas investidas?
No geral, somos procurados por empresas que precisam fazer um turnaround ou precisam de investimento para crescer.
Cada oportunidade é avaliada separadamente e com cuidado. Somos cautelosos e buscamos oportunidades com alta margem de segurança (ou seja, assimétricas, em que o risco de perda é muito limitado e o de ganho não).
Avaliação de oportunidades e criação de valor
Avaliamos o setor, avaliamos a posição da empresa dentro do setor, avaliamos as forças e fraquezas de cada empresa candidata.
A partir dessas avaliações, fazemos um plano de negócios, começamos a pensar na equipe profissional que pode ser contratada, nos casos de turnaround, e em quais reforços precisamos aportar, nos casos de empresas que só precisam de reforço, seja ele de capital, seja de management.
Só então começamos a captar, entre nossos clientes, o capital necessário para aquele investimento.
De novo, somos muito cautelosos. Levamos a sério o nosso dever fiduciário. E gostamos de ter controle ou, ao menos, influência importante, digamos assim, nos setores estratégicos da investida.
A criação de valor é decorrência desse conjunto: o capital necessário, no fluxo adequado; o reforço ou mudança na gerência, e um controle correto das áreas estratégicas, seja no produto, seja no posicionamento, seja na alavancagem, seja no fluxo financeiro.
Todos enfrentamos desafios em nossas carreiras. Pode compartilhar um desafio específico que enfrentou e como superou?
Duas experiências que me marcaram e sobre as quais, mesmo lembrando das dificuldades, tenho memórias boas.
Case study: TSEA Energia
O primeiro foi a TSEA energia. Compramos a empresa, fabricante de transformadores, da Toshiba.
Contexto
Era uma empresa grande, que vivia dificuldades enormes nos últimos anos, mas que tinha produtos de excelência reconhecida. Era uma empresa tradicional japonesa, com cultura muito diferente da nossa.
Em dois anos conseguimos colocar a empresa no break even, no terceiro o balanço já foi para o azul e hoje é uma empresa que está voando. E atrai o interesse de concorrentes do Brasil e do exterior. É uma noiva cobiçada. E isso graças ao trabalho de uma equipe muito talentosa e muito esforçada. Leal e corajosa.
A de que é preciso fazer as coisas corretamente, ter planejamento, ter disciplina para seguir esse planejamento e ter um time bom e que veste a camisa.
Porque às vezes você tem um bom produto, mas não tem o restante. Nem sempre o problema é falta de dinheiro.
Case study: Sequoia Logística
Outro caso de que gosto muito, pessoalmente, foi a abertura de capital da Sequoia Logística.
Contexto
Era uma empresa “de dono”, digamos assim. A empresa foi construída pelo Armando em 2010, que é um empreendedor entusiasmado. Cresceu organicamente e comprando outras empresas.
E se tornou uma das maiores empresas do Brasil no setor. Chegou o momento de abrir o capital e a FRAM era um dos Fundos de Investimento que tinham participação na empresa desde 2017.
Participei ativamente, apaixonadamente, desse percurso todo. Aprendi que é bom sonhar e perseguir os sonhos. Parece meio ingênuo, mas no fundo, todos nós vivemos um pouco disso: de sonhar e realizar nossos sonhos.
Ao olhar para trás, como você identifica as competências-chave que contribuíram para seu sucesso profissional?
Acho que tive uma boa formação acadêmica e pessoal. Estudei em boas escolas, me graduei no Brasil, no que hoje é o Insper.
Fiz mestrado na Espanha, numa escola de primeira linha no ranking europeu, o IE – Instituto de Empresas. Além de ter tido oportunidade de estudar em boas escolas, em casa sempre valorizamos muito a cultura e a boa argumentação.
Houve alguma habilidade específica que você teve que desenvolver ao longo do tempo?
Cresci ouvindo diferentes pontos de vista, debates e sempre me deram a voz de me colocar. Então, ter boa base, bom conhecimento é importante.
Desenvolva resiliência
No dia-a-dia, acho que a “habilidade” específica que desenvolvi foi a resiliência. Dizem que sou dura na queda, que aguento os trancos e os ventos contrários que sempre sopram.
Mas gosto de acreditar que isso tem outro nome: trabalho árduo. Não pode ter preguiça, não pode ter corpo mole, não pode ter braço curto. Tem que encarar as tarefas e fazê-las. E fazer bem. Ponto. Porque dá quase o mesmo trabalho fazer bem ou fazer mais ou menos. Precisa fazer bem. E cobrar trabalho bem feito da equipe. Só tem excelência onde tem exigência.
Quais são os valores fundamentais que orientam suas decisões profissionais?
Como profissional e como sócia da FRAM, meu dever maior é de responsabilidade fiduciária com nossos investidores e parceiros.
Honestidade intelectual, transparência, franqueza, verdade
Pode chamar como quiser. Mas é um conjunto de atitudes que representam o mesmo. E vêm do caráter.
Somos pessoas (profissionais) corretos. Acredito que esses também são valores perenes na FRAM. Aqui também se valoriza o talento, a cultura meritocrática e do argumento. Gente talentosa, mas sem dedicação, não serve. Então é caráter, dedicação e talento. Nessa ordem.
Qual mensagem você enviaria para as mulheres que se inspiram em seguir seus passos em Private Equity e mercado financeiro?
Não tem fórmula secreta. Não acho que fiz algo mais certo do que outras pessoas. Acho que estar preparada e ser resiliente, é fundamental. Estejam prontas para quando a oportunidade aparecer e não desistam dela.
O mercado financeiro, de maneira geral e em Private Equity, ainda tem homens em 90% ou mais das posições de mando.
Então, tem que respirar fundo, enfrentar com coragem os eventuais obstáculos. O que te dá força, também, é o seu trabalho. Faça o trabalho direito, faça corretamente o que deve ser feito, tenha propriedade sobre o tema e os colegas te respeitarão.
Já fiz muita reunião no Brasil, na China, no Japão, onde eu era a única mulher na sala. Todo o resto da mesa era de homens de terno escuro. Não é confortável. Mas a gente não trabalha para ter conforto, não é mesmo?
Quais conselhos você daria a elas para se destacarem e alcançarem o sucesso nesse campo?
Eu entro na sala, esqueço que sou minoria (de uma só) e tento fazer a reunião considerando que todos são iguais, não importa o gênero, a idade, a roupa, a posição. Se estão na mesma sala, discutindo o mesmo assunto, por definição estão todos habilitados.
Do contrário, não estariam lá. Mas reconheço que para as mulheres é mais difícil. Então, resiliência, casca grossa, objetividade, conhecimento e trabalho duro. Com isso, é inevitável que o progresso venha. E se não vier no lugar onde você está, mude de empresa.